Fernanda Montenegro magnetiza a plateia em peça em que lê Beauvoir

Anderson Souza

CRISTINA CAMARGO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Fernanda Montenegro vira uma página de texto e o gesto, aparentemente simples, se transforma em um ato teatral denso, cheio de significados e emoções no palco ocupado pela atriz de 94 anos no espetáculo em que lê trechos de obras de Simone de Beauvoir (1908-1986).
A leitura dramática, que celebra os 80 anos de carreira da artista, estreou em São Paulo na quinta-feira (20), no Sesc 14 Bis, após uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro.

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“Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir” é um manifesto feminista e amoroso, uma celebração da longevidade e das vidas saborosas das duas mulheres que estão em cena, a escritora e a atriz –a grande companheira do filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980) e a mulher que compreende na pele essa relação persistente, sobrevivente inclusive à existência de outros amores.

Um silêncio cheio de expectativas precede a abertura das cortinas e a visão de Montenegro, vestida de preto e usando óculos, sentada em uma cadeira diante de uma mesa ocupada por um copo de água e pelas páginas com o compilado dos pensamentos de Beauvoir.

A atriz lê, com a conhecida voz capaz de ocupar todos os espaços, e o público entra em contato direto com a trajetória da escritora, repleta de reflexões ainda atuais sobre a condição feminina, na visão libertária e revolucionária da filósofa existencialista.

Os trechos selecionados pela atriz falam, entre outros temas, do direito das mulheres serem ou não mães, da descolonização da existência feminina e da crítica ao homem como centro do mundo, cabendo historicamente à mulher ser a outra.

“Ao ler, no palco, Simone de Beauvoir, nós nos conscientizamos da liberdade que essa mulher impôs e propôs a todas as gerações que a sucederam”, diz Fernanda sobre o espetáculo.

Ela se aproximou dos escritos da intelectual aos 20 anos e ressalta que Beauvoir foi uma referência para a sua geração. Em 2007, o ator e diretor Sérgio Britto (1923-2011), companheiro da atriz no Teatro dos Sete, propôs a ela uma montagem sobre a filósofa, que foi concretizada dois anos depois no espetáculo “Viver Sem Tempos Mortos”, com encenação de Felipe Hirsch e direção de arte de Daniela Thomas.

Em março de 2023, Fernanda retomou o trabalho, com acréscimo de outros trechos, ao realizar uma apresentação na Academia Brasileira de Letras, onde ocupa a cadeira 17 desde março de 2022.

A intimidade de Montenegro com o texto chega ao público de forma prazerosa, na medida em que a leitura avança ao longo dos 75 minutos de espetáculo. É um prazer que passa por revelações feitas pela escritora sobre a convivência intelectual com uma amiga, a relação igualitária com Sartre e o sexo com o filósofo e com outros homens e mulheres.

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Há também as dores –a amiga de juventude morreu devastada pelos preconceitos burgueses, Beauvoir lidou com incompreensões sobre a sua vida libertária, enfrentou a guerra, a distância de seu amor, experimentou a rejeição sexual por parte de Sartre, após longos anos de relacionamento e, por fim, esteve ao lado do companheiro quando ele vivia seus últimos momentos.

Montenegro não interpreta a filósofa, mas usa sua expressividade e concentração teatral para magnetizar a plateia e transmitir o impacto dos pensamentos de Beauvoir, voltados a uma mulher que não tenha o homem como referência absoluta. Concentração, aliás, que não foi abalada sequer por um celular que tocou na plateia duas vezes na noite da estreia.

Há uma comoção em torno da temporada da leitura dramática em São Paulo. A procura por ingressos online travou o sistema de vendas do Sesc e as tentativas para conseguir ver a atriz no palco viraram assunto nas redes sociais e nas conversas entre amigos. Os que conseguiram, comemoraram.
Montenegro foi aplaudida longamente antes e depois da estreia -aplausos que são para a encenação do momento, mas também para a longa e reconhecida carreira da veterana no teatro, no cinema e na TV.

Ao público, ela dedica um abraço simbólico e avisa que não pode receber todos que gostariam de se aproximar, devido aos quase 95 anos. Nas palavras da atriz, eles parecem irreais, mas existem e pesam.

“O que me surpreende é a impressão de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice”, escreveu Beavouir, em texto que ecoa na voz imortal da atriz brasileira.

FERNANDA MONTENEGRO LÊ SIMONE DE BEAUVOIR
Quando: Até 21/7; de quinta a sábado, às 20h, domingo, às 18h. Ingressos esgotados.
Onde: Sesc 14 Bis
Autoria: Simone de Beauvoir
Elenco: Fernanda Montenegro
Direção: Fernanda Montenegro
Avaliação: Ótimo

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