SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, 59, foi baleado nesta quarta-feira (15) na cidade de Handlová, a 190 quilômetros de Bratislava, capital do país. Ele foi encaminhado a um centro de saúde na capital regional de Banska Bystrica, uma vez que sua condição era muito grave para uma viagem até Bratislava.
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Fico passou por uma cirurgia na noite de quarta (fim da tarde no horário de Brasília). O procedimento teria envolvido duas equipes médicas e durado cinco horas -de acordo com a emissora TA3, o líder foi atingido por um tiro no abdômen.
“Nesse momento, a situação dele é estável, mas muito grave”, afirmou nesta quinta (16) a diretora do local, Miriam Lapunikova, a jornalistas. Ela informou que Fico foi encaminhado à UTI (Unidade de Terapia Intensiva) após a operação.
Um homem foi imobilizado e detido pela polícia logo após o ataque. A imprensa local identificou o atirador como Juraj Cintula, 71, um poeta amador. Ele foi segurança de um shopping e é membro da Sociedade Eslovaca de Escritores.
Em entrevista coletiva nesta quinta, o ministro do Interior, Matus Estok, afirmou que Cintula disse à polícia que seu ato foi um protesto contra as reformas propostas por Fico no sistema penal e no controle da mídia estatal e suas políticas no que se refere à Ucrânia.
Ainda segundo Estok, o agressor agiu sozinho: “É um lobo solitário que se radicalizou nos últimos tempos, depois das eleições”, disse. Ele também confirmou relatos da mídia eslovaca de que o agressor participou de manifestações contra o governo por sua crescente aproximação com a Rússia.
A polícia acusou o suspeito de tentativa de assassinato, crime que na legislação eslovaca pode levar à prisão perpétua.
O premiê foi alvejado no momento em que cumprimentava apoiadores após uma reunião com integrantes de seu gabinete em um centro cultural.
Nesta quinta-feira (16), a presidente do país, Zuzana Caputova, cujo mandato se encerra em breve, pediu calma à classe política, e anunciou que convidaria todos os líderes de partidos para uma reunião para discutir a situação.
Enquanto isso, o presidente eleito nas eleições do mês passado, Peter Pellegrini, urgiu que as siglas pausem ou atenuem o tom de suas campanhas para as eleições do Parlamento Europeu, programadas para o mês que vem. “Se tem uma coisa que o povo eslovaco precisa hoje é um mínimo de consenso e unidade entre os seus políticos”, disse ele, que é aliado de Fico.
O ataque fez líderes de vários países, entre eles os presidentes da Rússia e dos Estados Unidos, virem a público para condenar a agressão.
Vladimir Putin descreveu o episódio como um “crime monstruoso”, segundo telegrama enviado a Caputova. “Conheço Robert Fico como um homem corajoso e determinado. Espero que essas qualidades o ajudem a sobreviver a essa situação difícil”, afirmou o líder russo, para quem Fico vinha demonstrando afinidade política. Joe Biden ofereceu ajuda dos EUA à Eslováquia. “Condenamos este ato horrível de violência”, afirmou.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou que “atos de violência como esse não têm lugar na nossa sociedade e comprometem a democracia”. Já o premiê alemão, Olaf Scholz, disse que a agressão foi uma “tentativa covarde de assassinato”.
O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, chamou o ataque de terrível. “Todos os esforços devem ser feitos para garantir que a violência não se torne a norma em qualquer país”, escreveu ele na plataforma X. O premiê húngaro, Viktor Orbán, também se pronunciou na rede social. “Fiquei profundamente chocado com o ataque hediondo contra o meu amigo, o primeiro-ministro Robert Fico. Oramos por sua saúde e rápida recuperação.”
Nesta quinta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se manifestou sobre o episódio. “Situações como essas, de intolerância e violência, merecem nosso repúdio e nos afetam a todos, pois atentam contra nossos valores de defesa da democracia e da paz. O ódio não pode prevalecer”, escreveu no X.
Figura conhecida da política eslovaca há três décadas, Fico é fundador do Smer, partido populista pelo qual chegou à chefia de governo. Ele fazia uma espécie de turnê pelo país com integrantes de seu gabinete após assumir o poder no final do ano passado, quando retornou à cadeira de primeiro-ministro.
Sua primeira passagem pelo cargo foi de 2006 a 2010. Após um hiato de dois anos, retornou em 2012, ficando no poder até 2018, quando foi forçado a renunciar após protestos em massa desencadeados pelo assassinato de Jan Kuciak, um jornalista que investigava corrupção.
Ao longo desses anos, o premiê mostrou disposição para mudar de rumo ao gosto da opinião pública e da conjuntura política. Após oscilar entre uma corrente pró-europeia e posições nacionalistas contrárias a Bruxelas e Washington, Fico tem feito uma política externa inclinada à Rússia em sua mais recente ascensão.
Ele tem gerado polêmica, por exemplo, ao afirmar que a Ucrânia deve ceder territórios à Rússia para encerrar a guerra, algo descartado por Kiev.
Ao chegar ao poder, Fico cumpriu a promessa de interromper envios de armas para a Ucrânia, em guerra com a Rússia há mais de dois anos, e chegou a falar que a influência ocidental no conflito só fez as nações eslavas se matarem. Além disso, o político também iniciou reformas na legislação criminal e na mídia, em um movimento inspirado no direitista húngaro Orbán, segundo analistas.
A agenda após sua posse não surpreendeu -nos últimos quatros anos, o político fez críticas contundentes a aliados ocidentais, opôs-se a sanções contra a Rússia pela invasão da Ucrânia e ameaçou vetar qualquer adesão de Kiev à Otan, aliança militar liderada pelos EUA da qual a Eslováquia faz parte.
Essas opiniões ressoaram ao longo de sua campanha, na qual o político defendeu que o país amplie relações com Moscou e abordou outros temas comuns à direita europeia em sua plataforma, como a imigração -composta principalmente de homens do Oriente Médio e do Afeganistão, no caso eslovaco.
Aliado próximo de Fico, o vice-presidente do Parlamento Lubos Blaha, do Smer, sugeriu que a oposição e a imprensa criaram a atmosfera para o ataque. “Quero condenar veementemente o que aconteceu hoje em Handlová e, ao mesmo tempo, expressar grande repúdio pelo que vocês fizeram nos últimos anos”, disse ele. “Vocês, mídia liberal e oposição política, que ódio vocês espalham contra Robert Fico.”
O maior partido de oposição do país, o Eslováquia Progressista, cancelou um protesto planejado contra reformas na emissora pública do governo que estava marcado para esta quarta. “Pedimos a todos os políticos que se abstenham de quaisquer expressões e medidas que possam contribuir para uma escalada da tensão”, disse Michal Simecka, líder da sigla.