SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A reunião em caráter de emergência do Conselho de Segurança sobre a escalada do conflito no Oriente Médio convocada para esta quarta-feira (2) foi marcada por trocas de ameaças generalizadas entre as nações envolvidas na controvérsia e seus apoiadores -sobretudo os Estados Unidos, aliado histórico de Israel. Não está claro se os países-membros chegarão a uma resolução consensual, mas as chances são baixas.
Siga nosso Instagram @blogdoandersonsouza
Os encontros ocorrem um dia depois de o Irã realizar um amplo bombardeio a Israel -uma resposta do regime de Teerã aos avanços de Tel Aviv contra o seu aliado Hezbollah no Líbano. O Estado judeu aumentou a intensidade de seus ataques contra a facção nas duas últimas semanas, em ações que culminaram com a morte do líder do grupo e, mais recentemente, em uma invasão por terra do território controlado pelo Hezbollah no sul libanês.
“Deixe-me ser clara”, disse a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, em seu discurso. “O regime iraniano será responsabilizado por suas ações. E advertimos fortemente o Irã -e seus intermediários- a não agir contra os Estados Unidos ou realizar novos ataques contra Israel”, prosseguiu ela, acrescentando que o conselho deveria punir Teerã de forma severa por suas ações. Os intermediários são, no caso, grupos como o Hamas e o Hezbollah, ambos financiados pelo regime dos aiatolás.
Danny Danon, embaixador israelense nas Nações Unidas, também reiterou a ameaça. “Israel vai se defender. Nós vamos agir. E posso assegurar a vocês que as consequências que o Irã enfrentará por suas ações serão muito maiores do que ele jamais imaginaria”, disse.
O representante iraniano, Amir Saied Iravani, por sua vez, afirmou que o bombardeio da véspera tinha como objetivo “restaurar o equilíbrio” no Oriente Médio. Antes da sessão, o país havia enviado ao Conselho uma carta em que recorria ao argumento da autodefesa para justificar a ofensiva.
“O Irã está totalmente preparado para, se necessário, tomar medidas defensivas adicionais de modo a proteger seus interesses legítimos e defender sua integridade territorial e soberania contra quaisquer agressões militares e usos de força ilegais”, declarou.
Enquanto Washington apoiou Israel no conselho, a Rússia elogiou o que chamou de “contenção excepcional” do Irã nos últimos mísseis. Vassili Nebenzia, embaixador de Moscou, afirmou que o ataque contra Israel não podia ser entendido em um vácuo, “como se nada estivesse acontecendo -e nada tivesse acontecido- no Líbano, em Gaza, na Síria, no Iêmen.”
As trocas de ameaças simbolizam a dificuldade da ONU e de outros órgãos internacionais para mediar conflitos.
Mais cedo, a reunião de um outro fórum multilateral, o G7, também havia jogado luz sobre as discordâncias entre algumas das principais lideranças globais, ainda que em nível bem mais restrito -apesar de altamente influente devido ao poderio econômico de seus membros, que juntos têm 43% do PIB mundial, ele é um fórum informal, e sua atuação se restringe aos campos político e econômico.
O colegiado, presidido temporariamente pela Itália, afirmou em nota que “um conflito regional não é interesse de ninguém” e que “uma solução diplomática ainda é possível”.
A contradição veio poucas horas depois, quando os EUA -que compõem o grupo ao lado de Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão e Reino Unido- reforçaram a posição bem menos apaziguadora no Conselho de Segurança.
Pouco depois do discurso de Thomas-Greenfield, aliás, o presidente Joe Biden disse a repórteres que todos os países-membros do G7 tinham concordado que os israelenses “têm o direito de retaliar e devem fazê-lo de maneira proporcional”, algo que não tinha sido mencionado no comunicado oficial -vale notar que uma das principais críticas a Tel Aviv acerca de sua condução da guerra em Gaza é desproporcionalidade. O americano negou, porém, apoiar um ataque israelense a instalações nucleares do Irã ao ser questionado diretamente sobre o assunto.
Parte da explicação para a dificuldade dos países chegarem a acordos nesses organismos tem origem na governança deles. O Conselho de Segurança, por exemplo, tem a capacidade de ordenar tréguas e enviar forças de manutenção de paz. É bem mais do que os demais fóruns da ONU, cujas diretivas são meras recomendações aos seus países-membros.
A questão é que, do total de 15 membros do conselho, os cinco que são membros permanentes e têm poder de veto estão em lados diferentes na atual disputa pela hegemonia mundial -EUA, França e Reino Unido, em um extremo, e China e Rússia, em outro.
Assim, enquanto Washington, na prática, blinda Israel de qualquer medida mais dura que possa melindrar o aliado histórico, Moscou e Pequim tendem a vetar resoluções contrárias a seus interesses.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou, aliás, a criticar a inação do órgão na terça-feira (1º). Questionado sobre a repatriação de brasileiros que estão no Líbano em meio aos bombardeios de Israel ao país, ele disse ser inexplicável que a entidade multilateral seja incapaz de convencer o Estado judeu a “conversar em vez de só saber matar”.