Senado aprova texto de Convenção sobre tratados de direito internacional

Anderson Souza

O Plenário do Senado aprovou, nesta terça-feira (29), o projeto que corrige o texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais (PDL 924/2021). A matéria segue agora para promulgação. Relatado pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), o projeto trata da adesão do Brasil, sob a condição de formulação de reserva a dois artigos, à Convenção de Viena. O texto é resultado de uma ampla negociação, da qual o Brasil fez parte, capitaneada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1986.

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A Convenção contém os princípios gerais que devem ser seguidos pelos países e organizações internacionais para celebrar tratados. O objetivo é uniformizar as regras que regem estes instrumentos internacionais. Entre os pontos regidos pela Convenção, que contém 86 artigos, estão formas de consentimento aos tratados, vigência destes documentos, aplicação a períodos anteriores à existência do tratado, interpretação e extinção dos tratados, direitos e obrigações das partes, e até arbitragem para solução de controvérsias entre as nações.

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Organizações internacionais

A Convenção em análise complementa outra, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), de 1969, que foi adotada pelo Brasil apenas em 2009 (tendo começado a ser analisada pelo Congresso em 1992), e que se restringiu às regras para os tratados assinados entre os países. Na época das discussões, divergências entre as nações capitalistas e as comunistas excluiu as organizações internacionais das regras processuais que regem os tratados internacionais. Após nova rodada de negociação entre os países, foi aprovado em 1986 um novo texto incluindo essas organizações na Convenção de Viena, e que está agora em análise por meio do PDL 924/2021.

Em 2015, o governo Dilma Rousseff enviou a nova Convenção de Viena sobre tratados para análise da Câmara, mas o texto foi retirado após serem constatados problemas com a tradução. O texto voltou ao Congresso em 2018, trazendo as correções feitas pelo Ministério das Relações Exteriores.

Na exposição de motivos que acompanhou a mensagem do Executivo sobre o projeto, o então ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira Filho, observou que “(…) a ratificação pelo Brasil desse importante instrumento do direito internacional constitui interesse de política externa, na medida em que dará maior segurança jurídica à assinatura e implementação de acordos entre o país e as organizações internacionais”. O texto acrescenta que, com a ratificação, “(…) o crescimento da participação do Brasil nos foros multilaterais, que se reflete no aumento do número de atos firmados com esses organismos, será fortalecido do ponto de vista jurídico-institucional, consolidando, ademais, a posição do país na codificação do direito internacional”.

De acordo com Carlos Portinho, o tratado representa um verdadeiro código do direito internacional para a matéria dos acordos celebrados entre Estados e organizações internacionais ou entre as próprias organizações. O relator afirmou que os tratados são atualmente a principal fonte do direito internacional contemporâneo, e que “fez-se necessária uma norma sobre os tratados, de forma a harmonizar sua elaboração e aplicação”.

Consolidação

Portinho explica que CVDT de 1969 foi um importante tratado multilateral que teve por objetivo consolidar antigos costumes entre os povos e antigas regras esparsas acerca da celebração de tratados. “A CVDT de 1969 entrou em vigor no início de 1980 e já foi ratificada por mais de uma centena de países. Ela refere-se unicamente à celebração de tratados entre Estados soberanos. Por isso, em 1986, outra Convenção de igual teor foi celebrada em Viena, no entanto, tratando da celebração de tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou somente entre as Organizações Internacionais”, registrou o relator.  

Como exemplos práticos de tratados entre Estados e organizações internacionais ou apenas entre as próprias organizações, cujo regime jurídico consuetudinário se busca codificar com a Convenção de 1986, o relator no Senado cita: acordos de sede, que são tratados vocacionados ao estabelecimento da sede de uma organização internacional em um Estado; acordos de privilégios e imunidades de organizações internacionais, seu patrimônio, atividades e funcionários no território de determinado Estado; acordos para a instalação de órgãos vinculados a uma organização internacional em determinado Estado; acordos para a realização de encontros e promoção de cooperação entre organizações internacionais; acordos para a realização de conferências de organizações internacionais em Estados; e acordos multilaterais vários que permitem a participação de organizações internacionais, entre outros.

Portinho registrou que “com a ratificação brasileira à Convenção de 1986, que se somará para aproximar o instrumento do quórum de 35 países necessário a sua entrada em vigor, o Brasil contribuirá para sedimentar as regras que regem a processualística e a aplicação de tratados entre Estados e organizações internacionais e entre organizações internacionais, conferindo-lhe segurança jurídica e estimulando o incremento da cooperação internacional nessa modalidade de vínculo jurídico, que abarca uma maior diversidade de sujeitos de direito internacional e mecanismos de governança para além do Estado nacional”. Ele conclui que “a Convenção, observadas as restrições impostas aos seus artigos 25 e 66, atende aos interesses nacionais e coaduna-se com os princípios constitucionais que regem as nossas relações internacionais, notadamente com o princípio constitucional de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, prescrito na Constituição Federal”.

Ressalvas

Segundo Portinho, a Convenção de 1986 mantém praticamente o conteúdo normativo da CVDT, de 1969 ” que foi aprovada pelo Congresso Nacional condicionada à apresentação de reservas aos artigos 25 e 66, que foram de fato opostas por ocasião da sua ratificação “, e também merece atenção e ressalva nesses mesmos pontos.

O artigo 25 da Convenção de 1986 consigna a possibilidade da aplicação provisória de um tratado, ou parte dele, antes de sua entrada em vigor, caso o próprio tratado assim disponha ou caso os Estados negociadores e as organizações negociadoras, ou as organizações negociadoras, acordem por outra forma. O relator destacou que “esse dispositivo é incompatível com o desenho constitucional brasileiro de divisão de competências entre Poderes e com o processo constitucional de incorporação de normas internacionais de fonte convencional”. “Deve-se frisar que a incompatibilidade em tela diz respeito a tratados solenes e em devida forma, não se inserindo na discussão doutrinária e prática sobre os acordos em forma simplificada ou ‘acordos executivos’, pois estes, conforme admitidos pela prática diplomática e constitucional brasileira, não criam obrigações internacionais para o Brasil, ou só podem fazê-lo dentro do escopo de autorização prévia decorrente de tratado aprovado pelo Congresso Nacional”, observou.

Também há reserva ao artigo 66, que disciplina os procedimentos de solução judicial, de arbitragem e de conciliação. Portinho considera que o artigo, “ao impor de maneira rígida e geral determinados meios de solução de controvérsias relativos à aplicação e interpretação dos artigos 53 e 64 da Convenção (conflito de norma convencional com norma de jus cogens, ou seja, com regras imperativas aceitas e reconhecidas pela comunidade internacional, que só podem ser modificadas por outras de mesma natureza e que impõem aos Estados obrigações objetivas que prevalecem sobre quaisquer outras) ou dos demais artigos da Parte V da convenção (nulidade, extinção e suspensão da aplicação de tratados), quando as partes não houverem chegado a uma solução em 12 meses da formulação da objeção representa considerável restrição à margem de manobra da política externa brasileira, o que desaconselha a sua aprovação”.

O relator ainda destaca que o Brasil, assim como a maioria dos estados-membros da ONU, não se submete à jurisdição obrigatória e geral da Corte Internacional de Justiça, cujas decisões, aliás, embora obrigatórias, carecem de executoriedade diante de Estados com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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